segunda-feira, 20 de junho de 2016

Reino da Certeza

Década depois o desespero
Bate forte
Tudo o que foi
E tudo o que não quis ser
Parecem
Tão confusos
Os sinais que recebo

Foi o melhor que já tive
Aquela visão
Nunca vou esquecer
Mas nunca tão simples
Porque se simples
Não seríamos
Não poderíamos
E como sempre fomos nós

Como nunca simples
Ao ver a situação em que nos
Colocamos
Já não sabia onde
Estávamos
Ateamos fogo em nós mesmos
Pois éramos muito nós 
Para permanecermos na certeza

E aos poucos tudo evaporava
E já não a via mais não havia mais
O que amava
O que queria
O que sabia
E então
O lugar era outro
Estávamos em meio às árvores
Criando uma vida nossa
E o tempo passava
E não

Posteriormente
O hotel
A nevasca
A mesa à beira do Danúbio
E tínhamos o mundo ao nosso alcance
E podíamos ter o que quiséssemos

O que queríamos era não voltar
E empurramos mais forte
E após anos
Ali estava de novo
Onde tudo começou
Na mesa da lanchonete
Na porta da escola
No banco da praça
No dia do casamento

O vestido branco
A gravata púrpura
O sentimento azul
O toque frio
A hora chegando
A chamada não respondida
Seu nome
Nada
De novo
Silêncio
O medo atravessa palpável

Mais uma vez
A qualquer custo
Não posso aceitar
Uma última chance

Não durma agora isso
Só acontece uma vez
E aos poucos
Vou perdendo
E nada mais pode fazer
Sentido

O olho salgado
Não pode ser
Empurramos demais
Pulamos muito alto

E então sozinho
Esperando por mim mesmo
No mundo que criamos
Deixado aos destroços
Vivi o segundo que nunca acabaria
E aquela cena
Nunca abandonou

E só o que ficou
Por que

domingo, 28 de julho de 2013

Decadência

Estaria errado ao dizer
Que todas as regras
Foram por você
Quebradas
Não

Tento construir o que faz bem
Porém perto de você tudo
Se torna tão supérfluo
E parece que nada
Mais existe
Só você

Será que você pensa em mim
Eu existo para você
Quem sou eu
Na sua
Mente

Tudo o que um dia foi
Certo hoje é dúvida
Todos os padrões
Mudaram e ainda
Mudam sempre

Me odiando por sentir
Pelo simples fato
De que você não
Sabe quem sou
E que sinto

Imagino agora fazer
Tal declaração
Diretamente
Para você
Sonho

Afinal que motivos
Você teria para
Simplesmente
Me olhar
E amar

Desta vez sem ligar para
Estilo e beleza apenas
Escrevo e prossigo
Escrevendo sem
Pensar em
Parar

E entro então mais uma vez
Em plena decadência
Entro outra vez em
Uma Descendente
Por não ser
O que você
Quer

Desprezo tudo e apenas
Penso nos ecos da
Minha mente hora
De refletir e
Então de uma
Vez por
Todas
Dar
Fim

quarta-feira, 1 de maio de 2013

O Castelo

Sonhos
Projetos 
Desejos

Construo um 
Castelo
E imagino
A felicidade
A possibilidade
O futuro

Porém
Preso no presente
Em um momento
No qual
Não quero estar

O sentido
Qual é
Da vida

Clichês

Eu só posso
Imaginar

O que é o
Castelo

Deixe-me em paz 
Não quero você aqui
Por que fez isso comigo

Sentido
Não existe

Meu castelo
É o meu horizonte
A alegria

Você era meu castelo

Quem é você
Eu achei que te conhecia
Mas não

Esqueço
Supero

É o que sempre faço

Cair de pé
Questão de honra

Apenas a esperar
O momento em que
Construírei
O castelo

Aí tudo voltará ao normal
Aí eu te conhecerei de verdade
Aí ficaremos juntos

Mas hoje
Não

Olho a linha do horizonte
O futuro parece mais perto
Porém a cada passo
Mais distante

Paradoxo
Ou não

O medo toma meu ser

Deixe ser
Deixe acontecer

E o castelo
Se forma a cada dia
À espera
Da mudança

Por que te quero tanto
Mistério

Meu cérebro é um 
Turbilhão
O que acontece
Incompreensível

Mas um dia
Ah um dia
O castelo
De pé
Com você
E aí
Completo
Realizado
Partirei em paz

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Estudo Sobre Estórias

Estórias
Não histórias
São o que quero
E o que anseio

Como uma parede de tijolos
Sendo levantada
Lentamente
Coloco palavras
Umas sobre
As outras

Decepcionado
Figura tão usada

Vamos lá Thiago
Você pode fazer melhor

Por que todas as
Estórias
Começam e terminam
Do mesmo jeito

Tão cansado de clichês
Do mainstream
E de tudo o que é
Comum

E muitas vezes
Eu sou o comum

Por que eu tenho que ser o comum

Não devo escrever sobre mim
Não se deve escrever em primeira pessoa
Será

Não existe um
Jeito certo de
Escrever

Existe liberdade
Na literatura

O tédio me ataca
Tudo é tão tedioso
Até os poemas

Só você me salva

Mas quem é
Você

Essa é minha busca
De todos os dias

Hoje só uma
Esperança
Um vislumbre de tudo o que pode
Ser

Mas amanhã
Quem sabe

Era uma vez uma estória
Reticências

Encontro-me feliz
Com você
No cenário ideal

Seguro sua mão
Te puxo pra perto
Te beijo
Começo a te despir
Reticências

Não é uma história comum

Sentado ao lado do que
Um dia
Foi
Alegria

Quem somos nós

domingo, 30 de dezembro de 2012

Poema de Sete Faces


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo

Carlos Drummond de Andrade.



quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Bandeirismos Filosofias e o Fim do Mundo

Acordado
Insone
Pensando em tudo
O que deveria
Ter sido
E não foi
Bandeirismos à parte
Ou nem tanto
Já que o sonho
De Pasargada nunca
Morre
Única saída
Dançar um tango
Argentino
Perdão por novamente bandeirar

Falta

Acabo um e começo outro
Antes de terminar
Já penso no
Próximo
O que vem depois do fim
Pra onde vão as pessoas no
Fim da festa
Para onde
Eu
Vou depois da festa

Crio uma colcha
De retalhos
Literária
Estilo
Para quê
Metalinguagem
Me atrai

Talvez fruto da vaidade
Escrever sobre
Mim mesmo
Parece tão bom

Ando em círculos
Parece que
Nada me satisfaz

Crio
Destruo
Transformo
Copio

O fim se aproxima
Bandeira me inspirando
Penso
Com carinho

Ao seu lado tenho paz
Com você
Tudo se torna completo

O que fazer de minha vida
Futuro
Distante

Não há futuro
O fim
Está próximo
Só o agora
Importa

Deixem que o
Amanhã cuide de si mesmo

Respiro
Escrevo o que vem à mente

Tento ser
Inconsequente
Não faz meu tipo
Não é minha
Vocação

O fim está próximo
Não vou
Me preocupar com amanhã
Não vou fazer planos
Para o novo ano
Quando chegar
Vejo o que faço

Viver um dia de cada vez
Dar um passo de cada vez
Talvez sentir mais

Novamente penso

Mortes não ocorrem
Por pensamentos
Mas por sentimentos

Sufoco o que sinto
Mais uma vez

O que sinto

Não importa

O fim está próximo
Os maias
Não
O fim sempre
Está próximo

Como na música
Não há amanhã

Só há o agora
Isto é o que
Importa

E agora
Eu quero

Amanhã

Não importa

Porque o fim
Está próximo

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Minha vida é você!


Caiu. Fazer o quê? Todos caem. Em 2008 o time da marginal caiu. Em 1990, o time do outro lado do muro caiu e, com uma virada de mesa, voltou no ano seguinte. Acontece.
Apenas vamos lembrar a história desse time. Vamos contar a história inteira, e não só os últimos doze anos. Vamos começar a exigir que contem a história desde 1914. Vamos fazer com que lembrem que esse time, que surgiu com o intuito de reunir toda a colônia italiana presente em São Paulo, ganhou seu primeiro troféu com apenas 3 anos de fundação, com uma vitória em cima daquele que viria a ser seu maior rival. 
Em 1920, veio o primeiro campeonato. Um acontecimento que viria a se tornar rotina nos anos subsequentes. A década de 1930 foi excelente. Em 1933, a maior goleada do dérbi paulistano: oito a zero, com quatro gols de Romeu Pellicciari e três gols de Imparato. 
Em 1939, começa a guerra. Alguns anos depois, o Brasil entra na guerra e a Itália se torna inimiga nacional. Com isso, fomos eleitos inimigos da nação, e o time do outro lado do muro tentou se aproveitar da situação para roubar todo o nosso patrimônio. O maior golpe que sofremos na nossa história. Tentaram acabar conosco. Nossos rivais, sempre que ganham um título, gostam de clamar "contra tudo e contra todos"; perdão, rivais, mas vocês não sabem o que é jogar contra tudo e contra todos. Não nos quiseram Palestra, nos tornamos Palmeiras, e nascemos para ser campeões. O primeiro jogo como Palmeiras foi a decisão do Campeonato Paulista de 1942, contra o time do outro lado do muro. Programaram uma grande vaia para quando nosso time entrasse em campo. Sabendo disso, nossos guerreiros adentraram o gramado com o pavilhão nacional, e o resultado foi uma calorosa salva de palmas. Dentro de campo, um massacre. No segundo tempo, quando já estava 3x1 para o Palmeiras, o juiz apontou um pênalti a nosso favor, e nossos inimigos, com medo de tomar uma goleada histórica, tomaram uma decisão covarde, da qual deveriam se envergonhar até hoje, e fugiram de campo. Nascia ali o Palmeiras. Campeão.
Em 1950 e 1951, um dos melhores  biênios de nossa história. Conquistamos as cinco coroas. Duas vezes campeão paulista, campeão do Rio-São Paulo, campeão do Torneio Cidade de São Paulo e campeão mundial. Não adianta espernearem, rivais. Foi mundial. O mundo inteiro sabia. Fomos nós, o time que menos de uma década antes era acusado de ser inimigo da pátria, que restauramos o orgulho nacional após a vergonha de 1950. O Brasil inteiro comemorou conosco após aquele 2x2 com a Juventus de Turim no Maracanã e as manchetes proclamavam "Palmeiras campeão mundial de 'football'".
No fim da década de 1950, sugia o maior time da história, com o maior atleta do século: o Santos, de Pelé. Em 1959 o primeiro grande encontro entre Pelé e Palmeiras: o Supercampeonato Paulista. Em três grandes jogos, o Palmeiras se sagrou supercampeão e venceu a primeira grande batalha contra o Santos de Pelé. Ao longo da década de 1960, o Santos teria se sagrado campeão paulista por dez vezes seguidas se não fosse por três títulos do Palmeiras. Não esqueçamos de mencionar, também, que o Palmeiras foi o primeiro time brasileiro a chegar em uma final de Libertadores e que o Palmeiras foi quatro vezes campeão nacional na década de 1960.
Em 1972, na segunda edição do Campeonato Brasileiro com esse nome, Palmeiras campeão. Em 1973, dose repetida, e o primeiro bicampeão do recém-criado campeonato.
Menção honrosa para a Academia e seu maior craque, o Divino. O atleta que mais vezes vestiu tão gloriosa camisa, e tão glorioso número.
Não gostaria de falar sobre a década de 1980, mas como eu falei de contar a história inteira, vamos comentar. Foi a década perdida. Uma década de vergonhas, em que as nossas maiores conquistas foram um 5x1 e um gol olímpico de Éder, ambos sobre o maior rival. Entretanto, sempre que se fala da década de 1980, o que todos os palmeirenses lembram é aquela fatídica final contra a Inter de Limeira em 1986, em que éramos amplamente favoritos e acabamos perdendo.
Mas aí veio a década de 1990 e a Parmalat. Aí conquistamos algumas das nossas maiores glórias. Em 1993 e 1994, outro grande biênio da história verde: bicampeonatos paulista e brasileiro e um Torneio Rio-São Paulo. Em 1996, a maior campanha do profissionalismo brasileiro: o time que marcou 100 gols em um campeonato paulista, campeão com apenas uma derrota. Em 1998, o nono título nacional, a primeira Copa do Brasil, com aquele gol chorado de Oséas na final. Em 1999, nossa maior glória, o título que ainda traz lágrimas aos meus olhos sempre que recordo: a Libertadores, que começou a canonizar o maior ídolo de nossa história, São Marcos. 
Virou o século. E as glórias secaram. Logo em 2002, o rebaixamento. Lembro as lágrimas que derramei aquele dia na chácara do meu vô. Aquele dia, como hoje, não assisti o jogo. Lá, pela proteção de meu pai; hoje, por compromissos diversos. Em 2003, disputamos a Série B com honra e sob a proteção de um Santo, que recusou uma gorda proposta gunner para disputar a segunda divisão com seu time de coração. O resto da década não nos trouxe muitas alegrias. As maiores foram o rebaixamento do rival em 2007 e o título paulista em 2008.
Em 2010, nosso maior comandante voltou ao time e, com ele, a esperança de dias melhores. Só ilusão. Continuamos reféns de times medíocres e diretorias incompetentes. Ainda assim, como o último fôlego de um doente terminal, ganhamos o nosso décimo-primeiro título nacional: o bicampeonato da Copa do Brasil, que nos deixou, indiscutivelmente, como os maiores campeões do país.
E aqui estamos nós, menos de seis meses depois, amargando outro rebaixamento. Porém, mesmo assim, para tristeza de todos os que tripudiam, esse time nunca vai ser pequeno! E a maior prova é como vocês tripudiam. Se fôssemos pequenos e não incomodássemos, vocês não nos provocariam tanto. Podem provocar. O futebol é isso. Faz parte. Quando os times de vocês estão mal, nós também provocamos. É assim mesmo.
Mas o objetivo deste artigo é dizer o seguinte: caiu? Não tem problema. Nós te levantamos. E meu amor pelo Palmeiras não tem divisão. Série B, C, D, não importa. Palmeiras, SEMPRE vou te amar.

PALMEIRAS, MINHA VIDA É VOCÊ!

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Os Três Direitos


Como libertários, temos o dever sagrado de proteger três elementos primordiais de nossa civilização: a vida, a liberdade e a propriedade.

A vida, porque é o bem mais sagrado de todos. 
A liberdade, porque uma vida sem liberdade não vale a pena ser vivida.
Todos os seres humanos com um mínimo de caráter pretendem defender esses dois. A controvérsia está na propriedade. Por que defender a propriedade?

Primeiramente, porque sem propriedade não há vida. A primeira propriedade de um ser humano é o seu próprio corpo. Logo, sempre que algum "esclarecido" clamar "abaixo a propriedade privada", tenha em mente que o próximo objetivo dele será tirar a liberdade que você tem sobre o próprio corpo.
Em segundo lugar, porque a propriedade é a combinação da vida com a liberdade. Se você é um ser humano vivo e pensante, você deve ter a liberdade de se apoderar do que quiser, DESDE QUE NÃO TENHA SIDO TOMADO POR ALGUÉM ANTES. Quem disser o contrário, na verdade, não está fazendo nada além de apontar uma arma para você dizendo "você não pode ter nada". Ilustro da seguinte forma: imagine uma sociedade comunista, ou anarco-comunista, em que supostamente não há estado; em tais sociedades, todos devem ser iguais, não podendo haver nenhuma distinção entre os indivíduos; logo, não pode haver propriedade privada; mas se eu quiser me apoderar de um terreno que não pertence a ninguém, alguém irá me impedir, pelo simples fato de que alguém terá menos do que eu; logo, estão talhando a minha liberdade.

Em suma, não existe vida e nem liberdade se não houver a propriedade privada. Quem diz o contrário está mentindo.

Concluindo, existem três direitos que devem ser protegidos a todo custo: o direito à vida, o direito à liberdade e o direito à propriedade. Não há outra forma de se viver.

domingo, 7 de outubro de 2012

Missão

Nada mais importa
Só você
E eu

Parados no tempo
Absortos em um universo paralelo
Perdidos em uma linha
Distante
Do convencional

Memorizo
As linhas
Os detalhes
Os sons
As cores

É especial
É único
É maravilhoso

Te amo
Tanto

Não quero isso
Não quero ser poeta dos amores
Quero ser o poeta
Da liberdade
Quero ser o poeta crítico
Quero ser aquele
Que muda
O mundo

Mas eu te amo
E quero
Preciso
Contar ao mundo
O que sinto
Quando te toco
Quando te vejo
Quando te sinto

Tema recorrente
Dúvida que me assola
Tantas e tantas vezes

Dane-se

Vou escrever
Simplesmente

Porque me foi dada uma missão
Escrever
Apenas

E é o que farei
Escrever
Somente

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Conversão de Sally Beth Roe em "Este Mundo Tenebroso 2"

Uma questão mais imediata. Sally surpreendeu-se um tanto com seu tom desapaixonado, prático, como se ela fosse datilografar uma carta ou fazer uma compra. Na realidade, estava por entrar num relacionamento que podia potencialmente alterar o curso de toda a sua vida, reestruturar totalmente seu conceito do mundo, e trazer à consideração cada questão moral, cada ato, cada decisão e cada atitude de todos os seus anos anteriores; suas mais profundas cicatrizes e emoções, as áreas mais pes­soais e resguardadas de sua vida, estariam sendo expostas. O relaciona­mento seria um confronto, talvez devastador.
Pelo menos, era isso o que ela esperava do acordo, e por esse motivo havia ponderado a ação a noite toda, pesando os prós e os contras, considerando os custos, testando e eliminando as opções. Tornou-se claro para ela que teria de pagar um preço enorme em termos de ego e vontade própria, e que o acordo traria consigo implicações assombrosas para o futuro. Mas todas as dúvidas foram examinadas e respondidas, cada objeção foi ouvida com imparcialidade, e entre os debates ferozes e acalorados que Sally travou consigo mesma no tribunal de sua própria consciência, ela dormia pensando neles.
Quando a luz do dia espiou pelas janelas do ônibus, ela já havia resolvido em sua mente que, considerando todas as coisas, esse importante compromisso seria a coisa mais lógica, mais prática e mais desejável que podia fazer, as vantagens excedendo em muito as desvantagens.
Fazia silêncio no parque, com poucas pessoas por ali além de uma matrona que levava o seu poodle para dar uma volta e alguns jovens executivos correndo ao trabalho. Ela mudou-se para outro banco mais perto do laguinho, totalmente exposto ao sol matutino, e sentou-se, a mochila ao seu lado.
Então ela deu-se uma boa e longa olhada. Vestida de calças rancheiras e uma jaqueta azul, com um gorro de meia na cabeça e uma mochila ao lado, parecia uma nômade sem lar.
E era.
Parecia solitária e sozinha.
E era.
Também parecia pequena e insignificante num mundo muito grande, e isso tinha mais peso em sua mente do que qualquer outra coisa. Como deveria parecer a um Deus grande o bastante para ter criado esse globo enorme no qual ela se sentava? Como um micróbio na lâmina de um microscópio? Como chegaria Ele a encontrá-la?
Bem, tudo o que estava ao seu alcance era fazer um pouco de barulho, clamar por ele, criar um distúrbio, enviar alguns foguetes de sinalização verbais. Talvez pudesse fazer com que ele a visse ou ouvisse.
Ela colocou o caderno no colo e voltou as páginas até chegar a uma de notas que havia preparado. Agora... onde começar?
Falou baixinho, mal formando as palavras com os lábios. Sentia-se acanhada e estava disposta a admiti-lo.
— Umm... alô. — Talvez ele a ouvisse, talvez não. Ela falou novamente. — Alô. — Isso seria o suficiente. — Imagino que saiba quem sou, mas me apresentarei assim mesmo. Parece a coisa certa a fazer. Meu nome é Sally Beth Roe, e acho que a gente se refere à sua pessoa como... Deus. Ou talvez Jesus. Já ouvi isso ser feito. Ou... Senhor. Compreendo que atende por diversos títulos, e por isso espero que me permitirá tatear um tantinho. Faz muito tempo desde a última vez em que tentei orar.
— Umm... de qualquer forma, gostaria de encontrar-me com o Senhor hoje, e discutir a minha vida e que possível papel o Senhor poderia desejar desempenhar nela. E obrigada desde já por seu tempo e atenção.
Ela olhou fixamente as anotações. Havia chegado até ali. Acreditando que havia prendido a atenção de Deus, ela prosseguiria com o próximo item.
— Para revisar rapidamente qual o motivo desta reunião, acho que o Senhor se lembra da nossa última visita, há aproximadamente trinta anos, na... Igreja Batista de Monte Sião, em Ireka, na Califórnia. Quero que o
Senhor saiba que eu realmente gostava das horas que passávamos juntos então. Sei que não falei nada a respeito disso em bastante tempo, e peço desculpas. Foram horas preciosas, e agora são minhas recordações favori­tas. Alegro-me por tê-las.
— Assim, suponho que o Senhor esteja querendo saber o que aconte­ceu, e porque eu desfiz o nosso relacionamento. Bem, não me lembro do que aconteceu exatamente. Sei que os tribunais me devolveram à minha mãe, e ela não estava disposta a levar-me à escola dominical como a tia Bárbara fazia, e então fui morar num lar temporário, e depois... Bem, qualquer que fosse o caso, nossos tempos juntos simplesmente não continuaram, e isso é tudo... Bem, acho que isso são águas passadas...
Sally deteve-se. Havia algum tipo de despertar ocorrendo dentro de si? Deus podia ouvi-la. Ela sentia isso; apenas sabia-o de algum modo. Aquilo era estranho. Era algo novo.
— Bem... — Agora ela havia perdido o fio da meada. — Acho que sinto que o Senhor me está ouvindo, por isso quero agradecer-lhe. — Ela conseguiu retomar os pensamentos. — Oh, de qualquer forma, acho que eu era uma jovem enraivecida, e talvez tenha-o culpado por minhas tristezas, mas... de qualquer forma, resolvi que podia cuidar de mim mesma, e assim foi que aconteceu basicamente a maior parte da minha vida. Estou certa de que o Senhor conhece a história: tentei o ateísmo, e depois o humanismo com uma forte dose de evolução incluída, e isso deixou-me vazia e tornou sem sentido a minha vida; então, em seguida, tentei o humanismo e misticismo cósmicos, e eles serviram para muitos anos de ilusões e tormentos sem objetivo, e, para falar a verdade, para o apuro em que estou metida no momento, inclusive o fato de ter sido condenada como criminosa. O Senhor sabe tudo a respeito disso.
Muito bem, Sally, agora aonde vai? É melhor tratar logo do que realmente importa.
— Bem, de qualquer forma, acho que o que tentava dizer é que Bernice, lá em Ashton, estava certa, pelo menos no que diz respeito a Sally Roe. Eu tenho um problema moral. Li um pouco a Bíblia. Umm... é um bom livro... e um belo trabalho — e vim a perceber que o Senhor é um Deus de moral, de ética, de absolutos. Acho que é isso o que "santo" significa. E estou de fato contente por isso, porque então podemos saber onde ficam os nossos limites; podemos saber qual é a nossa posição...
— Estou enrolando, sei disso.
Sally parou para pensar. Como poderia dizê-lo? Exatamente o que era que desejava de Deus?
Acho... — Oh-oh. Emoção. Talvez seja por isso que não consigo chegar ao que preciso dizer. — Acho que preciso perguntar-lhe a respeito do seu amor. Sei que ele existe; a Sra. Gunderson sempre falava a respeito, e também a minha tia Bárbara, e agora tive um curto vislumbre dele novamente em minhas conversas com Bernice e com aquele pastor, Hank, o Encanador. Preciso saber se o Senhor...
Ela parou. Lágrimas se lhe formavam no canto dos olhos. Ela as enxugou e respirou fundo diversas vezes. Isso deveria ser prático, não alguma experiência emocional, subjetiva da qual ela pudesse duvidar mais tarde.
— Desculpe. Isto é difícil. Há uma porção de anos envolvidos, uma porção de emoções. — Outra respiração profunda. — De qualquer forma, eu tentava dizer que... eu gostaria muito que o Senhor me aceitasse. — Ela parou e deixou que o aperto na garganta melhorasse. — Porque... me disseram que o Senhor me ama, e que arranjou para que todos os meus erros, minhas transgressões morais, fossem pagos e perdoados. Vim a compreender que Jesus morreu para pagar a minha culpa, para satisfazer a sua justiça santa. Umm... aprecio isso. Obrigada por esse tipo de amor.
— Mas eu... quero entrar nesse tipo de relacionamento com o Senhor. De algum jeito. Eu o ofendi, e ignorei, e tentei ser eu mesma um deus, não importa quanto isso lhe possa parecer estranho. Servi a outros espíritos, e matei minha própria filha, e trabalhei muito a fim de desviar muita gente...
As lágrimas vinham de novo. Ora essa. Considerando o assunto em questão, umas lágrimas não seriam impróprias.
— Mas se o Senhor me quiser... se apenas me aceitar, eu estarei mais que disposta a entregar-lhe tudo o que sou, e tudo o que tenho, valha o quanto valer. — Palavras de trinta anos antes vieram-lhe à mente, e captaram perfeitamente os seus sentimentos: — Jesus...
Dessa vez ela não pôde conter as emoções. O rosto corou, os olhos se encheram, e ela teve medo de continuar.
Mas continuar ela continuou, mesmo enquanto a voz falhava, as lágri­mas lhe escorriam pelas faces, enquanto o corpo principiava a tremer.
— Jesus... quero que o Senhor entre no meu coração. Quero que o Senhor me perdoe. Por favor, perdoe-me.
Ela chorava e não conseguia parar. Tinha de sair daquele lugar. Não podia permitir que alguém a visse assim.
Agarrou a mochila e apressou-se para longe do laguinho, saindo da calçada e entrando no meio de umas árvores próximas. Debaixo do abrigo das folhas novas e primaveris, ela encontrou uma pequena clareira e caiu de joelhos sobre o chão fresco, seco. Com uma nova liberdade que esse esconderijo trazia, o coração de pedra tornou-se um coração de carne, os mais profundos clamores daquele coração tornaram-se uma fonte, e ela e o Senhor Deus começaram a falar acerca de coisas enquanto os minutos passavam suavemente, despercebidos, e o mundo ao seu redor perdia a importância.Em cima, como se outro sol acabasse de nascer, as trevas se abriram, e raios puros, brancos, atravessaram as copas das árvores, inundando Sally Beth Roe com uma luz celestial, brilhando através do seu coração, seu espírito mais íntimo, obscurecendo seu vulto com um fogo ofuscante de santidade. Lentamente, sem sentir, sem som, ela acomodou-se para a frente, o rosto no chão, o espírito transbordando com a presença de Deus.
Em toda a sua volta, como raios de uma roda assombrosa, como raios de luz emanando de um sol, lâminas angelicais descansavam no chão, as pontas voltadas na direção dela, os cabos estendidos para fora, seguros nos punhos fortes de centenas de nobres guerreiros que se ajoelhavam em círculos perfeitos e concêntricos de glória, luz e adoração a Deus, as cabeças no chão, as asas estendidas na direção do céu como um jardim florescente e animado de chamas. Eles mantinham silêncio, os corações cheios de temor santo.
Como em inúmeras vezes no passado, em inúmeros lugares, com assombro maravilhoso, inescrutável, o Cordeiro de Deus estava no meio deles, o Verbo de Deus, e mais: o Verbo final, o fim de todas as discussões e desafios, o Criador e a Verdade que sustenta toda a criação — e mais maravilhoso que tudo, e mais inescrutável de tudo, o Salvador; um título que os anjos sempre contemplariam e com o qual sempre se maravilha­riam, mas que somente a humanidade podia conhecer e compreender.
Ele havia vindo para ser o Salvador daquela mulher. Ele a conhecia pelo nome; e falando-lhe o nome, ele a tocou.
E os pecados dela desapareceram.
Um farfalhar começou na primeira fileira de anjos, depois na seguinte, e depois, como uma onda arremetendo para fora, as asas sedosas de fileira em fileira de guerreiros arrepanhou o ar, elevando um bramido e soerguen­do os anjos sobre seus pés. Os guerreiros seguraram as espadas na direção dos Céus, uma floresta de lâminas chamejantes, e puseram-se a bradar em júbilo tumultuado, as vozes ribombando e sacudindo todo o reino espiri­tual.
Guilo, tão brilhantemente glorificado como jamais o fora, tomou seu lugar acima de todos eles, e brandiu a espada à volta em arcos chamejantes enquanto bradava:
— Digno é o Cordeiro!
— Digno é o Cordeiro! — trovejaram os guerreiros.
— Digno é o Cordeiro! — bradou Guilo mais alto ainda.
— Digno é o Cordeiro! — responderam todos.
— Pois foi morto!
— Pois foi morto!Guilo apontou a espada a Sally Beth Roe, prostrada, o rosto no chão, ainda em comunhão com o seu recém-descoberto Salvador.
— E com seu sangue ele comprou para Deus a mulher, Sally Beth Roe! As espadas ondularam, e sua luz trespassou as trevas assim como um
relâmpago trespassa a noite.
— Ele comprou Sally Beth Roe!
— Digno é o Cordeiro que foi morto — principiou Guilo, e então todos juntos cantaram essas palavras com vozes que sacudiram a terra — de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor!
Então ouviu-se outro rugido, de vozes e de asas, e outro relampejar de centenas de espadas. As asas se firmaram, e os céus encheram-se com guerreiros, rodopiando, gritando, aclamando, adorando, sua luz inundan­do a terra por quilômetros ao redor.
***
A quilômetros dali, alguns dos demônios de Destruidor cobriram os olhos contra a luz ofuscante.
— Oh, não! — disse um deles. — Outra alma redimida!
— Um de nossos prisioneiros liberto! — lamentou outro.
Um espia rápido, de olhos penetrantes, retornou depois de ter ido ver mais de perto.
— Quem e desta vez? — perguntaram eles. O espírito respondeu:
— Vocês não vão gostar da notícia!
***
Tal e Guilo se abraçaram, saltando, rodopiando, rindo.
— Salva! Sally Beth Roe está salva! Nosso Deus a tem enfim!
Eles continuaram, juntamente com seus guerreiros, a manter forte e brilhante a barreira em redor dela, assegurando que a comunhão da mulher com o Senhor prosseguisse sem perturbação.
O tempo passou, naturalmente, mas ninguém parecia notar ou impor­tar-se.
Mais tarde — ela não sabia quanto mais tarde — Sally pressionou as palmas das mãos contra a terra e ergueu-se lentamente até sentar-se, limpando folhas secas e húmus das roupas e usando um lenço para enxugar o rosto. Ela havia passado por uma experiência incomum, perfeitamente maravilhosa, e o efeito ainda persistia. Uma mudança, uma restauração profunda, pessoal, moral, havia ocorrido, não apenas em suas percepções subjetivas, mas de fato. Isso era algo novo, algo verdadeiramente extraor­dinário.
— Então isto deve ser o que eles querem dizer com "ser salva" — falou ela em voz alta.As coisas estavam diferentes. A Sally Roe que havia-se escondido nesse bosque não era a mesma Sally Roe que estava agora sentada nas folhas, uma bagunça trêmula, pasmada, coberta de lágrimas.
Antes, ela havia-se sentido perdida e sem objetivo. Agora sentia-se segura, resguardada nas mãos de Deus.
Antes, sua vida não tinha significado. Agora tinha, com mais propósito e significado ainda para ser descoberto.
Antes, ela havia estado oprimida e sobrecarregada de culpa. Agora estava limpa. livre. Perdoada.
Antes, ela se sentia muito sozinha. Agora, tinha um Amigo mais íntimo do que qualquer outro.
***
Quanto aos seus velhos amigos, os atormentadores...
Fora da barreira, jogados por ali como lixo num depósito de detritos, Desespero, Morte, Loucura, Suicídio e Medo, amuados, estavam nos arbustos, incapazes de voltar. Eles se entreolharam, prontos para um bate-boca se algum se atrevesse a dizer a primeira palavra.
Estavam fora. Vencidos. Acabados. Sem mais esta nem aquela. De alguma forma, assim que ela se tornou filha de Deus, começou a firmar os direitos e autoridade que tinha como tal. Não disse muito, não fez um discurso rebuscado. Simplesmente ordenou-lhes que saíssem da sua vida.
— Ela aprende depressa — disse Desespero.
Os outros cuspiram nele apenas por ter dito aquilo.
***
— Isto é maravilhoso — disse ela consigo mesma, rindo de espanto e êxtase. — Simplesmente maravilhoso!
Tal e Guilo observavam, gozando cada momento.
— A palavra do testemunho dela e o sangue do Cordeiro — disse Tal. Guilo assentiu com a cabeça. — São os dois.
...

Tal desfraldou as asas com o som do esboroar de uma onda do oceano. Ele soergueu bem alto a espada, e todos fizeram o mesmo de modo que o Parque Lakeland foi inundado pela luz tremeluzente.
— Pelos santos de Deus e pelo Cordeiro!
— Pelos santos de Deus e pelo Cordeiro!

Frank Peretti